Já alguma vez, leitor, teve aquela sensação de desejar que parem de lhe perguntar se já teve determinada sensação? Suponho que não. Digamos que não é uma sensação muito frequente. Confesso que também não posso dizer que a tenha tido. Mas tenho muitas vezes a seguinte sensação: parece-me que as coisas quase nunca são tão boas como as palavras que as designam. Mais: as coisas melhoram ou pioram consoante as palavras que as designam. Dou um exemplo: um bacalhau com batatas custa cinco euros. Mas um bacalhau braseado em lascas com batatas salteadas em azeite virgem não se encontra por menos de dez euros e meio - embora seja o mesmo bacalhau e as mesmas batatas. E, de facto, o segundo bacalhau sabe melhor. Os profissionais da restauração, linguistas subtis, descobriram o truque, e é por isso que as refeições estão cada vez mais caras.
O contrário também acontece. Vejamo como são as coisas: há dias, encontrava-me a bordo de um carro com motorista. O veículo tinha um taxímetro e uma placa luminosa com a palavra «táxi» no tejadilho, pelo que andei vários minutos convencido de que estava num táxi. Enfim, precipitações. Só dei pelo erro quando o motorista me disse: «Faz hoje dez anos que tenho o "táxe".»
Já tinha ouvido falar de taxistas que enganam as pessoas, mas isso era demais. Levar uma pessoa a acreditar que apanhou um táxi e depois, a meio caminho, informá-la assim, sem preparação nem cuidado, de que está dentro de um «táxe» pareceu-me cruel. Que diriam as pessoas que me esperavam para um encontro de extrema importância quando me vissem chegar num «táxe»? Continuariam a querer jogar à bola comigo ou cancelariam a partida?
(...)
É como vos dizia no início: a maneira de designar a realidade, às vezes, parece que coiso. Daí a necessidade de nos sabermos exprimir bem.
Ricardo Araújo Pereira
A Boca Do Inferno, Edições Tinta Da China, 2007