O homem que tinha morrido andou sem destino nesse dia de sol.
E a dada altura, parado ao lado da estrada para ver uma caravana que se dirigia à cidade, disse consigo próprio:
- Como é estranho este mundo dos sentidos, ao mesmo tempo sórdido e puro! Exactamente como eu. Apesar de estar fora dele! É variada a efervescência da vida. Que direito o meu ter querido vê-la sempre com um fervilhar idêntico? Como lamento as pregações que lhes fiz! Muito mais depressa um sermão estala como a lama, ou fontes secam, do que um salmo ou cântico. Enganei-me. Compreendo que me tenham executado por lhes ter feito pregações. Ou antes: se virmos bem as coisas, não conseguiram executar-me porque estou ressuscitado na minha própria solidão e herdei a terra, uma vez que já não ando nela a reinvidicar. Vou estar sozinho no turbilhão de todas as coisas, sobretudo, acima de tudo, vou estar sozinho para sempre. (...) E uma destas noites eu próprio talvez encontre uma mulher que me desperte o corpo ressuscitado sabendo, apesar disso, preservar a minha solidão. Porque o corpo do meu desejo está morto, e em mim não há lugar que possa ser tocado. Mas o que sei disto, afinal? Ao cabo e ao resto, tudo é vida. (...) Tenho de chegar depressa àquela aldeia que ali vejo na colina à minha frente; sinto-me cansado, fraco, e com vontade de fechar os olhos ao que me rodeia.
D. H. Lawrence
O Homem Que Morreu, Assírio & Alvim, 2004