Escrever sobre um livro como Coração das Trevas é, de facto, tarefa árdua, sobretudo devido ao que poderíamos designar como a dupla dimensão da obra: por um lado, um relato desconcertante de uma viagem ao interior do continente africano, descrita de uma forma vívida e com ingredientes aparentemente comuns a um género muito em voga na época: o romance de aventuras para jovens – assim foi recebida aquando do seu aparecimento por críticos pouco perspicazes; mas por outro lado, temos um texto que comunica ao leitor uma sensação de desconforto e de inquietude, desde as primeiras páginas, devido a uma escrita que, na sua sugestividade, insinua abismos que rasgam inexoravelmente a cena sócio-histórica que nos apresenta e fissuram a própria dimensão psicológica das personagens que nos vai revelando.
Joseph Conrad
Coração Das Trevas, Vega, 2008