Coquette - de origem francesa "coquette" significa sedutora, na gíria portuguesa pode significar vaidosa ou graciosa. Intelectual - que pertence ao intelecto ou à inteligência, espiritual.

15
Ago 12

Escrever sobre um livro como Coração das Trevas é, de facto, tarefa árdua, sobretudo devido ao que poderíamos designar como a dupla dimensão da obra: por um lado, um relato desconcertante de uma viagem ao interior do continente africano, descrita de uma forma vívida e com ingredientes aparentemente comuns a um género muito em voga na época: o romance de aventuras para jovens – assim foi recebida aquando do seu aparecimento por críticos pouco perspicazes; mas por outro lado, temos um texto que comunica ao leitor uma sensação de desconforto e de inquietude, desde as primeiras páginas, devido a uma escrita que, na sua sugestividade, insinua abismos que rasgam inexoravelmente a cena sócio-histórica que nos apresenta e fissuram a própria dimensão psicológica das personagens que nos vai revelando.

 

Joseph Conrad

Coração Das Trevas, Vega, 2008 

 

 

publicado por coquetteintelectual às 21:48

08
Ago 12

Quantas tradições não criaram os antigos em torno das Sereias!

Eram mulheres de corpo e garras de pássaro, almas de mortos, vampiros, demónios do além-túmulo, que alegravam as almas do Hades, ou estavam nos oito círculos rolantes do céu; eram filhas de Melpómene, Terpsícore, Perséfone, Estérope, Portaone, da Terra, de Aqueloo, ou de Fórcis; eram duas, três, quatro, oito; chamavam-se Aglaope, Telxiepia, Lígia, Parténope, Leocósia, Telxíope, Molpo, Aglaófone; eram companheiras de Perséfone, ou de Afrodite, rivais de Orfeu; parecidas com um pássaro índio, tocavam lira, flauta, gaita-de-foles, siringe ou aulo. Essas tradições, algumas das quais muito antigas, não deixam a mínima memória na Odisseia. Para   o “segundo Homero”, é indiferente que as Sereias sejam pássaros, ou demónios da morte. O que lhe interessa é aquilo que cantam: a mesma coisa que fascinava o imperador Tibério e Maurice Blanchot.

As Sereias cantam em linguagem da Íliada: dirigem-se a Ulisses com um mosaico de expressões, que o “segundo Homero” extrai do “primeiro Homero”: “louvado Ulisses, grande glória dos Aqueus”, “sabemos todas as coisas”, “na terra provedora de dons”. Possuem a voz clara e límpida das Musas e das liras, o mesmo “doce canto”. E, acima de tudo, partilham do conhecimento absoluto que as Musa têm do que aconteceu e acontece, e da sua omni-presença nos acontecimentos. O repertório é idêntico: não só os sofrimentos, em Tróia, dos Gregos e dos Troianos, mas a matéria imensa do passado e do presente, em todos os tempos e em todos os espaços, agora e ontem, perto e longe, tudo o que acontece “na terra fértil”. As Sereias também estão a par das aventuras de Ulisses e talvez as cantem, quando ele passa na sua nau; são omiscientes – porque só elas, e não Polifemo ou Circe – reconhecem Ulisses, à chegada. Assim se compreende a tendência que se desenvolveu a partir dos tempos da Odisseia, para identificar as Musas e as Sereias, ou para supor que as Sereias eram filhas das Musas, Melpómene e Terpsícore.

 

Pietro Citati

Ulisses E A Odisseia * A Mente Colorida, Livros Cotovia

publicado por coquetteintelectual às 18:39

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