A minha mãe era a minha melhor amiga. No entanto, aquele terrível episódio no final da guerra também me trouxe alguém especial, alguém que era só meu. O seu nome era Pistou e ninguém conseguia vê-lo, a não ser eu. Tinha mais ou menos a minha idade. Ao contrário de mim, era moreno, com cabelo eriçado, pele cor de azeitona e olhos castanhos, encovados. Ele ouvia a minha voz interior e eu não tinha de explicar porque ele percebia tudo. Para um rapazinho, era muito perspicaz.
A primeira vez que o vi foi à noite. Desde o final da guerra que eu dormia com a minha mãe. Enroscávamo-nos juntos e ela mantinha-me aconchegado e em segurança. É que eu tinha pesadelos... Sonhos terríveis em que acordava a chorar, com a minha mãe a fazer-me festas e a beijar-me, sonolenta. Não podia explicar a natureza dos meus sonhos, por isso deitava-me a pestanejar na escuridão, receando que, se fechasse os olhos, as imagens voltassem e me roubassem dela. Era nessa altura que o Pistou aparecia. Sentava-se na cama e sorria para mim. O seu rosto era tão luminoso e a sua expressão tão calorosa que soube instantaneamente que íamos ser amigos. Pelo seu olhar de compaixão, soube que ele via os meus sonhos, tal como eu, e que compreendia os meus medos. Enquanto a minha mãe dormia, ficava na cama acordado com Pistou, até já não conseguir lutar contra o cansaço e acabar, também eu, por ser vencido pelo sono.
Santa Montefíore
A Virgem Cigana, Bertrand Editora, 2008