A poesia, diz-se, é uma questão de palavras. E isto é tão verdadeiro quanto dizer-se que as pinturas são uma questão de tinta e os frescos uma questão de água e têmpera. Está tão longe de ser toda a verdade que se torna um pouco idiota se for pronunciado de modo sentencioso.
A poesia é uma questão de palavras. A poesia é o encadear de palavras num múrmurio, numa rima e numa sucessão de cores. A poesia é uma interacção de imagens. A poesia é a sugestão iridescente de uma ideia. A poesia é todas essas coisas e é ainda algo mais. Com todos esses ingredientes teremos qualquer coisa muito semelhante à poesia, qualquer coisa a que poderíamos aplicar a velha designação romântica de "poesy". E esta, como o bricabraque, estará sempre na moda. Mas a poesia é mais do que isso.
A qualidade essencial da poesia é que ela implica um renovado esforço de atenção e "descobre" um mundo novo dentro do mundo conhecido. O homem, os animais e as flores vivem todos no seio de um caos que lhes é estranho, uma vaga em imparável movimento. Ao caos a que nos habituámos, chamamos cosmos. Ao indizível caos interior de que somos compostos, chamamos consciência, mente e até civilização. Mas ele é, em última instância, um caos, iluminado por visões ou destituído delas, tal como o arco-íris pode ou não iluminar a tempestade. E, tal como o arco-íris, a visão perece.
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O que se passa então com os poetas, nesta conjuntura? Revelam o desejo íntimo da humanidade. O que revelam eles? Mostram o desejo do caos e o medo do caos. O desejo do caos é o sopro da sua poesia. O medo do caos manifesta-se na exibição de formas e técnicas. A poesia é feita de palavras, dizem. E então sopram bolhas de som e imagem que cedo rebentam com o sopro do anseio pelo caos que os invade.
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D. H. Lawrence
"Preface" To Chariot Of The Sun, By Harry Crosby
in Phoenix: The Posthumous Papers Of D. H. Lawrence
London: Heinemann, 1936
[Tradução de Isabel Fernandes]