Eu tivera uma infância nos confins da piedade, e isto por simples gosto da emoção, pois nada nem ninguém à minha volta a tal me predispunha: os meus pais não praticavam, os meus professores eram da escola laica, não se enxergava, ao redor, nenhuma avozinha de rosário na mão, e, se as minhas tias paternas, que, na época da prosperidade, estavam sempre metidas lá em casa para pedinchar um serviço ou dinheiro do irmão, não perdiam nenhuma missa, nenhuma procissão, o certo é que elas não faziam proselitismo. À saída da escola, apesar da fome canina que me atazanava à hora do lanche, acontecia-me frequentemente subir ao adro da basílica e penetrar sob as abóbadas de sombra e de humidade ainda mais altas que o céu lá fora. Ao domingo, não contente por ter assistido à missa cantada, abandonando a interminável partida de futebol na praça dos Plátanos, onde uma velha late de leite concentrado, embrulhada em trapos, servia de bola aos jogadores renovados pela passagem dos bandos de bairro, ia numa corrida assistir ao ofício das vésperas.
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Angelo Rinaldi
Os Dias Acabam Sempre Por Voltar, Bertrand Editora, 1995