Eu não estou a sonhar, estou acordada, apesar de as enfermeiras pensarem que estou a dormir. Tal como os famosos cientistas não reparavam numa empregada de limpezas inclinada para varrer a poeira que faziam, estas jovens enfermeiras não se lembram de que uma mulher, apesar de idosa, apesar de estar a morrer, pode ter um ouvido apurado. Por vezes, juntam-se aos pés da minha cama, falando sobre os namorados, os seus casos, as roupas novas que mandarão fazer, com os cortes de seda e de renda que têm estado a acumular. Não vêem que, em tempos, fui como elas, com um cabelo louro que me chegava à cintura, que lavava uma vez por semana e que secava à luz suave e doce do Sol. Por vezes, apetece-me erguer-me desta cama e contar-lhes tudo, os caminhos de bicicleta ladeados de flores e os jovens com os seus olhares, e tudo isso a dar origem aos anos de trabalho árduo, aos meus filhos, a duas guerras temíveis que iam acabar com todas as guerras, e, por fim, a esta cama, onde ouço os seus risos abafados. O mundo gira e volta a girar, e é sempre o mesmo.
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Kim Edwards
Um Brilho No Escuro, Civilização Editora, 2008