De certo modo, parecia-me reconhecer o quarto. Enquanto pairava, com o espírito meio dentro e meio fora do meu corpo como o génio da garrafa, pareceu-me ver com os olhos da memória a cama pequena com a colcha de patchwork, a mesa, a banqueta, os quadros na parede. Mose, Henry, a estranha demência que se apossara de mim no cemitério tinham sido relegados ao registo dos sonhos e eu própria era o produto de um sonho nas trevas flutuantes. Lembrava-me vagamente de ter chegado à casa de Crook Street, de ter sido conduzida ao cimo das escadas... umas mãos simpáticas nas minhas, rostos, nomes.
(...)
Lembrava-me dos nomes delas, das vozes, da suave mistura de odores nas peles empoadas enquanto me despiam e me lavavam o rosto com água quente e perfumada... depois havia um vazio total, e agora sentia-me limpa e confortável na cama estreita e branca, vestida com uma camisa de noite de linho com folhos, o cabelo escovado e entraçado para dormir.
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Joanne Harris
Valete De Copas E Dama De Espadas, Edições ASA, 2005