Deste livro de poesia de Helder Moura Pereira, o que permanece como 'impressão' é um tom, uma mono-tonia: um tom que não é bem o de uma melopeia, porque a música que há neste recitativo - e há bastante - é cheia de dissonâncias, refratária à harmonia. E, dizendo isto, estamos a sugerir que, aqui, a língua da poesia é posta à distância: a voz é baixa e sem ênfase, tudo tende para a prosa e para a língua comum. Veja-se, por exemplo, como se fala sem elevações, antes de uma prosaica crueza, de um amor perdido: "Quis pôr um ponto final, mas depois / escrevi um livro inteirinho a falar do tempo / em que éramos mais do que um mais um. / Do teu amor agora nem um cheirinho. / / Não era preciso pedir binóculos / para ver que toda a minha vida / estava feita num molho de bróculos. / E o coração desconcentrado na batida." Esta é a regra: o desencontro, a separação, o desgosto amoroso, a vida desencantada e quase a roçar o niilismo são a matéria exclusiva desta poesia, mas sem que a voz se erga acima da tonalidade baixa e repetitiva. E aqui residem simultaneamente as limitações e os conseguimentos desta poesia. Devemos reparar que muitos poemas pressupõem um interlocutor, criam uma situação dialógica. Mas o diálogo estabelece-se sempre com um ausente. É justo dizer que se trata de uma poesia desencantada em relação a si mesma, por vezes quase irónica, desprovida daquilo a que poderíamos chamar 'efetualidade', incapaz de fazer com que as coisas não sejam o que são. E esta determinação 'coisal' - material, quotidiana, contigente - é o que alimenta o discurso destes poemas, que se prolongam sem inflexões, rente a uma dimensão prosáica, evitando elevações poético-retóricas.
António Guerreiro
Helder Moura Pereira
Se As Coisas Não Fossem O Que São, Assírio & Alvim, 2010