Coquette - de origem francesa "coquette" significa sedutora, na gíria portuguesa pode significar vaidosa ou graciosa. Intelectual - que pertence ao intelecto ou à inteligência, espiritual.

29
Abr 11

 

Chove...

 

Mas isso que importa!,

se estou aqui abrigado nesta porta

a ouvir na chuva que cai do céu

uma melodia de silêncio

que mais ninguém ouve

senão eu?

 

Chove...

 

Mas é o destino

de quem ama

ouvir um violino

até na lama.

 

José Gomes Ferreira

Poesia II 

 

publicado por coquetteintelectual às 17:53

20
Abr 11

 

Tenho usado as palavras para tudo quanto me falta. Sei que, por muita ilusão, me convenci a vida inteira de que aludir às coisas era já um pouco possuí-las e pertencer-lhes, como um modo de sonhar acordado que, para mim, funcionou e me permitiu sempre alguma felicidade.

Os textos , por isso, foram-me reiteradamente úteis, entre serem capazes de inventar as maiores fantasias como de explicarem também a mais evidente realidade. Em certas alturas, os textos foram tudo, tiveram o ofício de se tudo, sobretudo exterminando uma solidão para que me remetiam a timidez e um desajeitado modo de ser. Isso, por si só, haverá sempre de fazer de mim o mais grato dos homens a isto que é ler e escrever. Ficarei sempre grato aos livros.

Sou eminentemente outro após um livro, um que escreva ou um que leia. Procuro nas palavras aquilo que me acrescente, por me faltar, que proponha o que nunca lera, o que nunca pensara e assim me elucide melhor, me suscite a questão e incentive à procura de uma resposta. A aventura dos livros é toda essa. A contínua descoberta da infinitude dos assuntos, da infinitude do pensamento, que deve ensinar-nos a aceitação, essa coisa que por outra palavra muitos chamam de tolerância. A leitura é toda ela um exercício de contacto com o outrora desconhecido e pretende, acima de todas as coisas, a partilha, um reconhecimento de lugar, como um respeito mútuo. A aceitação. Ler é praticar a sociedade. Ler é efectivar a sociedade. É receber o mais depurado dos pensamentos de que alguém foi capaz e ponderar, ainda que tantas vezes ludicamente, como a vida foi, como é, e como poderia ser melhor. Ler é ter passado e fazer futuro.

(...)

 

valter hugo mãe

 

fnac MAG, Número 2, Abril 2011       

publicado por coquetteintelectual às 14:36

19
Abr 11

(...)

Monte dos Vendavais é o nome da residência do senhor Heathcliff (e é bem significativo do tumulto atmosférico a que está exposta quando há temporal). Na verdade, o sítio não pode ser mais arejado; bem pode avaliar-se a força com que o vento norte sopra ali pela inclinação dos abetos enfezados existentes atrás da casa e pelo renque de espinheiros raquíticos que, de braços estendidos para o mesmo lado, parecem pedir a esmola do sol. O arquitecto obviou a este incoveniente construindo um edíficio bastante sólido. As janelas estreitas são profundamente cavadas na parede, e as esquinas estão defendidas por pedras largas e salientes.

(...)

Entrámos directamente na sala de estar sem passarmos por nenhum corredor ou vestíbulo. Essa área, a que chama aqui «a casa», inclui geralmente a cozinha e uma sala de estar, mas creio que no Monte dos Vendavais a cozinha foi relegada para outro lugar; pelo menos ouvi rumor de vozes e tilintar de utensílios culinários lá para o interior. Em volta da lareira enorme não notei sinais de que aí fervesse, cozesse ou assasse, nem vi reflexos, nas paredes, de caçarolas de cobre ou passadores de folha. (...) Por cima da lareira estavam espingardas velhas, fora de uso, e duas pistolas de arção; e, em jeito de adorno, postas no rebordo, três caixas de chá pintadas de cores vivas.  O chão era de pedra branca e lisa. Havia cadeiras de espaldar alto e formato antigo, pintadas de verde, e uma ou duas escuras, pesadas, perdidas na sombra. Debaixo do aparador descansava uma perdigueira rodeada de cachorrinhos turbulentos, e noutros cantos viam-se mais cães.*

(...)

 

* O excerto é extraído do exemplar da Relógio D'Agua Editores, de 2001.

 

Emily Bronte

O Monte Dos Vendavais, Editorial Presença, 2009  

publicado por coquetteintelectual às 16:01

18
Abr 11

Dizem que não há motivos racionais, talvez seja verdade. Caminhava para ti hipnotizado, fascinado por razões que ainda ignoro. Impingem-nos a ideia de que os opostos se atraem; eu não acredito. Não acredito em nenhuma dessas verdades vendidas em cartazes, filmes e séries. Outrora sim, agora não. Fiquei sozinho de olhos desvendados. A luz queima-me, Elisa. Porque tiveste de me ensinar? A ignorância é feliz, sabes. Iludido não percebo, não penso para além dos racíonios viciados e falaciosos. Há tanto alívio, tanta simplicidade em seguir as massas. Era assim antes de ti. Mudaste tudo, alteraste-me as regras e por ti, por tua causa, tua culpa, a velha vida é impossível.

Não, de facto não sei porque me apaixonei por ti, mas sei porque te amo. Lembro-me do início e do que veio depois, de tudo, até das tuas cores.

(...)

Chegavas-me como sonho ou pesadelo, fazias-me acordar e exasperar por voltar a adormecer. Queria-te de novo, cruel ou doce não me interessava desde que pudesse flutuar nessas correntes com a impressão frenética de te estar prestes a agarrar. Se te apanhava o braço, ou o tornozelo ou o pulso, despertava antes de poder continuar. Quase sempre eras inalcançável. Percorri cenários de escombros, de ruínas esquecidas, de encantos e horrores, cruzei incendiado terra, água e ar, rasgaram-me e dilaceraram-me, fui atirado para abismos de alucinação, arrastei-me soterrado em lamas, tudo para ser arrancado às malhas da inconsciência sem mais do que um vislumbre teu.

(...)

 

Inês Botelho

O Passado Que Seremos, Porto Editora, 2010  

publicado por coquetteintelectual às 21:27

17
Abr 11

 

SETE (grandes) escritores: Francisco Duarte Mangas, Jacinto Lucas Pires, João Tordo, Manuel Jorge Marmelo, Moacyr Scliar, Patrícia Portela e Sérgio Almeida. Sete (inéditos) contos: Azul como uma laranja, A maldição de Charles Negrão, Memórias de um Jornalista Desportivo na Reforma, Natch, A Copa do Mundo É Nossa, O Jogo e Paraíso Futebol Clube. Assim se faz (sublime) este Fora de Jogo, editado pela Caminho das Palavras.

O futebol passa (enleante) por todas as suas páginas. De vez em quando também está lá A Bola - a abrir a linha aos golpes de génio que se vão descobrindo, encantadores, pelo caminho, por exemplo, quando Duarte Mangas escreve:

Borges, se voltasse ao mundo dos vivos e da luz, talvez lhe destinasse um poema. Nos olhos de Di Maria foge tristeza longínqua. Épica.

A regra é a surpresa - que pode ser Lucas Pires a embrulhar-se (deslumbradamente) no tom e no toque brasileiro com que conta a maldição de Negrão, começando-a assim:

Minha tentação é falar que não fui eu não, foi o meu corpo...

E não muitos parágrafos passados escapa a revelação:

Da Minha rotina fazia parte um jogo, um divertimento, vá lá, uma brincadeira ocasional (duas, três vezes por semana) com um grupinho de quatro, cinco meninas, funcionárias de um serviço chamado Seis Seis Seis Sensualidade & Ternura Ilimitada. Uma pequena-média empresa que apontou ao mercado do amor rápido...

O que acontece depois? O melhor é ler - para crer...

Há memória (romanceada) de Tordo, «jornalista desportivo na reforma», o olhar (desconcertante) pelos bastidores e por um certo mundo-cão - e entre várias outras, a história (deliciosa) de Gabriela Hortênsia que é Amâncio a marcar um golo ao Benfica:

A minha mulher disse-me que os jornalistas desportivos - e os comentadores e os treinadores, e os homens em geral - eram todos cegos ou estúpidos ou mesmo cegos e estúpidos, por não serem capaz de perceber que Amâncio era, na realidade, uma mulher. (...) Olhou-me com desprezo, apontou para o ecrã e disse: «Olha-me aquelas pernas. Achas que são pernas de homem?». Olhei para o ecrã e titubeei. «E vê-se mesmo que está a usar um espartilho para esconder as mamas!». Na verdade ela estava certa e estava também errada. (...) Acabei por descobrir que Amânsio tinha, realmente, sido uma mulher - e das bonitas. Descobri também que trabalhara num bar de alterne em Águeda e que, depois de uma operação ao sexo ter sido «desmamada» (foi esta a expressão usada por um certo repórter do jornal O Crime para a operação de redução mamária - e, a esse respeito, a minha mulher enganara-se), fora integrada na equipa de futebol do Beira-Mar...

(...)

É preciso revelar mais - para se ficar com a ideia do que se pode descobrir nestas 144 páginas?!...

 

Por

António Simões

 

Fora De Jogo, Caminho Das Palavras, 2010    

publicado por coquetteintelectual às 17:18

16
Abr 11

 

Toda a escrita autobiográfica é, por definição, um desenho inacabado.

Porque se baseia entre duas moradas de tempo, o tempo narrado e o tempo da narração, isto é, o passado e o presente, que esse mesmo presente busca recriar.

Tal como a análise psicanalítica levada a cabo pelo paciente frente ao psicanalista, o sujeito tenta identificar-se com aquele que foi, ou julgou ser, procurando do mesmo passo destrinçar os fios da sua identidade a fim de melhor a elucidar.

Numerosos são os rumos possíveis para lá chegar. Em linha recta ou por desvios; por caminhos batidos ou por atalhos de acaso.

Nestes últimos se insere a metodologia adoptada pelo americano Joe Brainard com a insistente multiplicação dos seus I remember, "lembro-me disto, lembro-me daquilo lembor-me de que...".

Ao seleccionar reminiscências aparentemente sem nexo, onde acontecimentos históricos se juntam a episódios pessoais e com eles se confundem, Brainard tenta recuperar e saber e o sabor de outros tempos - tempos que foram seus, que ainda, por momentos, lhe pertencem... Pesquisa em forma de inquérito que depressa se desdobra num inventário sem fim.

Nesta formulação tão rica de ambiguidades e, por isso mesmo, tão fecunda no plano do imaginário, que é também o da memória das coisas revividas, se inspirou por seu turno o francês Georges Perec para o seu Je me souviens.

Ninguém melhor do que Perec, espírito singular e cuja obra é toda ela, por razões pessoalíssimas, uma incessante e dolorosa retrospectiva, para levar por diante semelhante tarefa embora sabendo-a de antemão falível. Porque parcelar e incompleta.

Ao enumerar de forma deliberadamente fragmentária o rol de mil recordações - sendo cada uma delas uma interrogação sem resposta -, os autores acima citados procuram à sua maneira exumar e reconstruir uma unidade perdida. Só se apreende a memória multiplicando as memórias dela, e toda a autobiografia contém traços de autoterapia.

(...)

 

Marcello Duarte Mathias

ACT 16 Escrever A Vida. Verdade E Ficção, Campo Das Letras

    

publicado por coquetteintelectual às 15:49

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