Rei Édipo de Sófocles é, sem dúvida, a peça mais célebre do teatro antigo - mais em função das interpretações discutíveis que, no século XX, se fizeram a seu próposito, do que dos méritos indiscutíveis da obra enquanto teatro ou literatura. Freud é, efectivamente, o nome a que se associa, hoje o herói tebano, facto que é tanto mais insólito e absurdo quanto mais reflectirmos sobre a peça de Sófocles, a qual leva à conclusão inelutável (e, para muitos, surpreendente) de que Édipo, de facto, não sofria do complexo que lhe apropriou indevidamente o nome.
É que toda a questão do Rei Édipo de Sófocles reside no facto de Édipo ter cometido os crimes que o celebrizaram sem ter consciência de que os estava a cometer. De resto, uma leitura atenta da peça levar-nos-ia a postular, antes, a existência de um "complexo de Jocasta", pois é ela que profere os famosos versos que provocaram a ideia luminosa de Freud, cuja essência remete para a noção de que muitos homens ter-se-iam unido às mães em sonho, coisa perfeitamente natural... para Jocasta.
É ela que percebe mais cedo que o filho a verdadeira natureza do seu parentesco, que está longe de se circunscrever à relação normal entre marido e mulher. O problema de Jocasta não é tanto o de saber que está casada com o filho; é muito mais o de impedir que Édipo descubra essa realidade aberrante, tentando desse modo evitar que a desgraça se abata totalmente sobre a família real de Tebas.
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Frederico Lourenço
Grécia Revisitada, Livros Cotovia, 2004