Coquette - de origem francesa "coquette" significa sedutora, na gíria portuguesa pode significar vaidosa ou graciosa. Intelectual - que pertence ao intelecto ou à inteligência, espiritual.

31
Jan 11

 

A ironia ensina a sabotar uma frase

Como se faz a um motor de automóvel:

Se retirares uma peça a máquina não anda, se mexeres

No verbo ou numa letra do substantivo

A frase trágica torna-se divertida,

E a divertida, trágica.

Este quase instinto de rasteirar as frases protegeu-me,

Desde novo, daquilo que ainda hoje receio: transformar

A linguagem num Deus que salve, e cada frase num anjo

Portador da verdade. Tirar seriedade ao acto da escrita

Aprendi-o na infância, tirar seriedade aos actos da vida

Comecei a aprender apenas depois de sair dela, e espero

Envelhecer aperfeiçoando esta desilusão.

 

Gonçalo M. Tavares

1, Relógio D'Água Editores, 2004

 

publicado por coquetteintelectual às 21:23

30
Jan 11

 

O partido reformista apareceu um dia, de repente, sem se saber como, sem se saber porque. Era um estafermo austero, pesado, de voz possante. Ninguém sabia bem o que aquilo queria. Alguns diziam que era o sebastianismo sob o seu aspecto constitucional; outros que era uma seita religiosa para a criação do bicho-da-seda. Corriam as mais desvairadas opiniões. Apresentava-se tão grave, tão triste, tão intransigente que no Chiado afirmava-se ser um personagem da história romana - empalhado!

Ninguém se aproximava dele no meio da imensa impressão que causava nos moços de fretes. Por fim, pouco a pouco, alguns jornalistas mais curiosos foram-se chegando, começaram a tocar-lhe com o dedo, a ver se era de pau. Era de carne, verdadeiro. Percebeu-se mesmo que falava. Então os mais audaciosos fizeram-lhe perguntas.

- Senhor - disseram -, espalhou-se por aí que vindes restaurar o País. Ora deveis saber que um partido que traz uma missão de reconstituição deve ter um sistema, um princípio que domine toda a vida social, uma ideia sobre moral, sobre educação, sobre trabalho, etc. Assim, por exemplo, a questão religiosa é complicada. Qual é o vosso princípio nesta questão?

- Economias! - disse com voz potente o partido reformista.

Espanto geral.

- Bem! E em moral?

- Economias! - bradou.

- Viva! E em educação?

- Economias! - roncou.

- Safa! E nas questões de trabalho?

- Economias! - mugiu.

- Apre! E em questões de jurisprudência?

- Economias! - rugiu.

- Santo Deus! E em questões de literatura, de arte?

- Economias! - uivou.

Havia em torno um terror. Aquilo não dizia mais nada. Fizeram-se novas experiências. Perguntaram-lhe:

- Que horas são?

- Economias! - rouquejou.

Todo o mundo tinha os cabelos em pé. Fez-se uma nova tentativa, mais doce.

- De quem gosta mais, do papá, ou da mamã?

- Economias! - bravejou.

Um suor frio humedecia as camisas. Interrogaram-no então sobre a tabuada, sobre a questão do Oriente...

- Economias! - gania.

Foi necessário reconhecer, com mágoa, que o partido reformista não tinha ideias. Possuía apenas uma palavra, aquela palavra que repetia sempre, a todo o propósito, sem a compreender. O partido reformista é o papagaio do Constitucionalismo.

 

Farpa IV (Maio de 1871), pp. 39/40

 

Eça de Queiroz

Uma Campanha Alegre, Livros Do Brasil

    

publicado por coquetteintelectual às 21:46

29
Jan 11

 

 

Foram coro convocador de convulsões do corpo e da consciência. Fúrias devastadoras re-encarnadas numa polifonia em que se misturavam vozes de escritoras, anónimas, avatares de feminismo, sobre o grande tema-tabu da submissão da mulher, e as várias violências a que era sujeita - fossem estas a pressão de mentalidades tacanhas, do espartilho fascista, do país colonial que gostava de donas de casa à espera dos maridos e dos filhos soldados, da violência doméstica ou, ainda, dos calvários da pobreza ou do aborto. Novas Cartas Portuguesas (D. Quixote, 415 pásg., 16,95), de Maria Isabel Barreno, Maria Teresa Horta e Maria Velho da Costa, livro proibido, revolucionário e fundador do feminismo português, renasce agora uma edição anotada (com 200 entradas, índice, bibliografia, e o prefácio de Maria de Lourdes Pintasilgo, escrito para a re-edição de 1980), com organização da poetisa e docente universitária Ana Luísa Amaral. À altura da sua publicação, pela editora Estúdios Cor, então comandada pela escritora Natália Correia, num abril de 1972 sem cravos revolucionários à vista, a edição foi apreendida pela censura. Pornografia, foi o epíteto e a acusação no processo interposto contra as autoras.

A subversão não passava «só» pela ousadia do discurso no feminino. Nem «apenas» pelo despudorado e desafiador desmistificar das supremacias e mitologias másculas, dentro e fora de portas - ou de camas. As três Marias, então já com nome literário feito, desenganavam expectativas domesticadoras acerca da sua obra. Mas também subvertiam as convenções literárias: Novas Cartas Portuguesas desarrumava gavetas, tricotando tanto os registos da carta, do conto, da poesia, como do romance e do discurso ideológico. As cartas que citavam são as de Soror Mariana Alcoforado (1640-1723), a freira portuguesa que, fechada num convento de Beja, escreveu as cinco ardentes e explícitas Lettres Portugaises ao amante que a abandonou, o oficial francês Noel de Chamilly.

A re-edição tam também um projeto associado: NCP, 40 anos Depois, dirigido por Ana Luísa Amaral. Até 2013, investigar-se-á o percurso e a influência da obra no mundo, e prevêm-se traduções (inglês e italiano) e a publicação de NCP entre Portugal e o Mundo (livro associado a um colóquio) e New Portuguese Letters to the World, International Reception).

 

Texto de Sílvia Souto Cunha  

    

publicado por coquetteintelectual às 18:11

 

Caros leitores

 

Desde já, apresento, as minhas sinceras desculpas a todos vós.

Ao longo deste período de ausência, encontrei-me a desenvolver e continuo a explorar novos projectos.

Espero mais uma vez não vos desiludir.

Bem Haja.

 

Coquette Intelectual

publicado por coquetteintelectual às 18:07

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