Coquette - de origem francesa "coquette" significa sedutora, na gíria portuguesa pode significar vaidosa ou graciosa. Intelectual - que pertence ao intelecto ou à inteligência, espiritual.

30
Jul 10

 

Como é, mana? Tudo bem contigo, com o Vasco? E os miúdos? Olha, estou a escrever-te para te pedir um enorme favor, embora se não puderes diz-me à vontade, que eu tento arranjar outra forma. Ligaram-me do lar do pai a pedir para passarmos por lá, não sei bem o que seja, parece ser mais do mesmo, teve uns febrões de noite, não conseguiu ir à casa de banho, lá tiveram de mudar os lençóis. O que me disse a senhora foi que ele passou mais uma noite a perguntar por nós e pela mãe, não se percebia muito bem o que queria, dizia os nossos nomes e depois parece que adormecia, pelo menos ficava assim muito quieto, nem elas entendem se ficava ou não acordado. Assim que me ligaram tentei ligar-te mas acho que não tens o voice-mail activado (ai, ai...), mas ainda bem que existe agora esta maneira, posso mandar-te um recado via internet do meu telemóvel, embora tenha passado aqui uma aflição, acho que um polícia topou que eu estava a teclar ao volante, embora estivesse parado no semáforo que ainda não estava verde, ainda assim não quis arriscar, andei mais uns metros e encostei e aqui estou a escrever-te, de facto hoje não há limites para as formas de comunicarmos, não percebo como é que faziam quando só havia telefones fixos e cartas, que tínhamos de ir levar ao correio e demoravam um tempão a chegar. E nem vais acreditar na coincidência, acontece que parei aqui mesmo muito perto do lar, só não reparei logo porque hoje é feriado e há montes de lugares para estacionar, estou habituado, como tu deves estar, a andar por aqui às voltas à espreita de uma nesga. Mas hoje não, e dá para ver, quem diria, que a rua é bonita, cheia de árvores, não sei se já tinhas dado conta, e as árvores carregadas de flores, é a Primavera, sim senhora. E por falar em Primavera, disse-me também a senhora do lar aqui há uns tempos que as pessoas da idade do pai se vão um pouco abaixo nesta época, parece um bocado estranho porque é uma estação bonita e feliz, mas parece que é assim mesmo. Mas voltando ao que interessa, se não te importasses passavas aqui esta tarde, não vais ter problema a estacionar como já referi, portanto estás à vontade, não vais ter stresse adicional, que já bem nos basta a vida que levamos, não é? Também sentes, como eu, que o tempo parece que nunca chega? É uma coisa que eu tento explicar ao pai quando cá venho, quando me parece que ele está a ouvir, explico-lhe que entre as reuniões do trabalho, as reuniões na escola dos miúdos, as acções de formação a que convém sempre ir para não ficarmos para trás nas promoções, caramba o tempo voa, não é? Porque é que os pais têm tanta dificuldade em perceber que as coisas já não são como no tempo deles? Não tenho muito mais para te elucidar antes de ires vê-lo, só que, como já te disse, passou a noite a dizer o meu nome e o teu, e o da mãe, muitas vezes, como se ela estivesse ainda viva. Bom, só te digo que nem tudo é mau nesta vida... Olha se não pudéssemos enviar mensagens do telemóvel?

 

Rodrigo Guedes De Carvalho

Máxima, Número 263, Ano 21, Agosto De 2010  

publicado por coquetteintelectual às 23:11

29
Jul 10

 

Chegou mais uma onda de calor. Ou, como se dizia antigamente, estamos no Verão. Agora é torrar, até chegar a intempérie, que é como se chama hoje ao antigo Inverno. Este novo jorgão não tem grande importância para nós, para quem a memória de verões passados é nula. É que os portugueses padecem de uma espécie de Sportinguismo Climático. Da mesma maneira que um sportinguista parte todos os anos com fé absoluta, olvidando o que se passou na época anterior, também o português, no que ao tempo concerne, esquece. Chega o estio e o bafo e os velhinhos a arfarem e os incêndios e Portugal é África. Há mortos, há prejuízos, há chatices mas, mais dia, menos dia, acaba. E toda a gente é "Ufa! Escapámos de boa!" e que se lixe. No ano seguinte, quando a quentura volta, parece que somos apanhados de surpresa. Esquecemo-nos do que sucedeu no ano anterior. Entretanto, não se fez nada para minimizar os estragos que advêm do calor. Portanto, deve ser esquecimento.

Outra teoria possível não diz muito de nós como povo, mas é bem mais divertida: é a hipótese de acharmos que é tudo coincidência. "O quê? Calor de ananases outra vez em Julho? Olha, tu queres ver que... é um grande acaso, pá!" E isto dura há 800 e tal anos.

Em Portugal, reage-se sempre patuscamente. No resto do mundo, o clima começa também a provocar sarilho e gritaria desde que se descobriu que borrasca e canícula são responsabilidades do Homem. Parece-me que, no Ocidente, temos necessidade de ter medo de algo. Só nos últimos cinquenta anos é que se pôs de lado a hipótese de uma guerra nos países da Europa Ocidental. Antes, era disso que se tinha medo. Afastado do espectro da guerra, há que temer outro tipo de destruição causada pelo homem: o clima. Esta destruição é muito pior, porque não só aleija, como também interfere com as férias das pessoas, o que é uma maçada. Quem nunca teve os seus 15 dias em Pipa ou Punta Cana estragados por mau tempo?

É por isso que eu não consigo levar a sério as preocupações ambientais (e por ter um espectacular aparelho de ar condicionado). O histerismo de quem vê, num escaldão apanhado por estupidez, o sinal do holocausto que vai incinerar a humanidade, não ajuda a levar a sério. Serão Cassandras? Talvez. Mas, até por snobismo, nunca falei muito com Cassandras. Nem com Brunos Valderlei. Ou Claúdios Miguel. Aliás, lembro-me de ser miúdo e estarmos num lado da praia, nos toldos, e as Cassandras estarem do outro, com guarda-sóis e frango assado. Ah, a praia! Bons tempos em que as férias de onda de calor duravam 3 meses... E havia a D. Bernardina, das Bolas de Berlim! (Tema sobre o qual não me vou debruçar, por já toda a gente ter falado do seu vendedor-de-bolas-de-berlim-da-meninice-ui!-estou-tão-triste-que-a-ASAE-não-deixe-mais. Não falo de temas explorados por toda a gente, porque é pela comparação que se apercebe melhor a minha insuficiência intelectual).   

 

José Diogo Quintela

Suplemento P2, Público, 5 De Agosto 2007  

publicado por coquetteintelectual às 17:27

28
Jul 10

«Se se viajar fora dos destinos turísticos [...] descobre-se que os lugares de desejo, os sítios que nos marcam por dentro e deixam impressões duradouras são tão inacessíveis e misteriosos como sempre foram e, também por isso, se constituem como verdadeiras viagens. Únicas e preciosas.»

 

Os lugares não são todos iguais.

Graças a Deus, já que isso nos permite uma actividade única: viajar.

Viajar, como sabem, não é só percorrer um caminho ou uma distância. Deslocamo-nos todos os dias de um lado para o outro sem considerarmos que estamos de viagem, porque não está presente a condição definidora do viajante: a atenção ao que nos rodeia.

Viajar é, assim, experimentar um percurso ou um destino que nos permita conhecer outras gentes, outros lugares e outras culturas. É uma experiência de contacto e proximidade de algum modo transformadora, já que aumenta a compreensão, a sensibilidade e o respeito pelo que é diferente. Viajar é isto, ou costumava ser.

Recentemente apareceram as viagens fáceis, rápidas e baratas.

Porque são mais fáceis, quase toda a gente, incluindo crianças, velhos e pessoas com deficiências, passaram a atrever-se a fazer a mala e a ir a sítios distantes.

Porque são mais rápidas, os dias de férias que quem trabalha tem chegam para atravessar desertos, participar em safaris, descer cataratas, subir montes, mergulhar nas Caraíbas ou no Índico.

Porque são mais baratas, os que têm poucos meios e para quem, noutros tempos, uma saída do país significava sempre emigração, podem hoje visitar a sua cidade de sonho ou passar uns dias num cenário de filme.

Curiosamente, estas viagens não são designadas por esse nome, mas pelo de destinos turísticos. Não pretendem servir as fantasias de conhecimento e crescimento individual, mas antes a digna indústria do turismo. E a digna indústria do turismo, a continuar como está, ainda mata as viagens.

É que, como talvez já tenham tido a oportunidade de reparar, a indústria do turismo, sólida e eficiente, pensa por nós tudo o que houver para pensar, incluindo a quantidade certa de emoção a usufruir. Partindo do princípio de que o que serve para uns tantos serve para todos os outros, descobre-nos na China hotéis iguaizinhos aos que já vimos na Colômbia ou na Aústria. Faz-nos conhecer refeições que sabem ao mesmo, independentemente da latitude, e introduz-nos em espectáculos e em compras sob o signo desconfortável do «déjà-vu».  

Cúmulo da bizarria, consegue fazer-nos visitar cidades e países sem nos apercebermos da língua local nem vislumbrarmos outros seres além dos turistas como nós. O que é autóctone - pessoas, flora, fauna, alimentos, hábitos, construções, arte - é tão secundarizado ou tão deformado em marketing simplificado que se torna inacessível.

Claro que nem sempre é assim.

Claro que ainda se pode viajar por conta e risco próprios, de olhos e coração abertos. Mas aí, se se tenta furar o esquema montado e viajar fora dos destinos turísticos propostos, descobre-se que a facilidade, a rapidez e a economia não existem.

Descobre-se que os lugares de desejo, os sítios que nos marcam por dentro e deixam impressões duradouras são tão inacessíveis e misteriosos como sempre foram e, também por isso, se constituem como verdadeiras viagens.

Únicas e preciosas.

 

Isabel Leal

Em Teoria, O Amor É Sempre Bom, Abril/Controljornal Editora, 2001  

publicado por coquetteintelectual às 16:18

27
Jul 10

(...)

Isabel Alçada começa pelo livro. Les Malheurs de Sophie, ou Os Desastres de Sofia, da Condessa de Ségur, foi o seu primeiro livro, mais do que lido, devorado, várias vezes. Tinha 7 anos quando o recebeu, na versão original. «Recebi-o quando andava na segunda classe, no Liceu Francês. Comecei a lê-lo e nunca mais parei. No final, estava orgulhosíssima de mim. Porque era um livro grosso, grande, de 150 páginas, em francês. E eu tinha-o lido, sozinha. Foi uma satisfação. Assim que terminei, voltei ao início.»

O que a mais encantou foram, justamente, os desastres, tantos desastres em que se metia aquela menina que se chamava Sofia, mas que podia perfeitamente chamar-se Isabel: «Ficava fascinada porque ela fazia coisas que me podiam ocorrer fazer. Não me esqueço de um episódio em que uns operários estavam a arranjar a casa dela e tinham um tabuleiro com cal. Tinham-lhe dito para não se aproximar mas, claro, a Sofia achou aquilo tão bonito, tão lisinho, que não resistiu. Meteu um pé, o outro pé... e depois ficou aflita, aos gritos, com os pés a queimar. Aquilo impressionava-me muito! Porque era muito possível que eu também me lembrasse de experimentar a cal. Quem diz a cal diz outra coisa qualquer. Ver escrito num livro os disparates que eu podia fazer foi uma revelação.»

Isabel Alçada, uma das autoras da série de livros juvenis Uma Aventura, começava assim a sua viagem pela literatura. Com os desastres de uma menina que podia ser ela.

(...)

 

Texto de Sónia Morais Santos

 

Suplemento Notícias Magazine, Número 948, 25 De Julho 2010       

publicado por coquetteintelectual às 15:09

26
Jul 10

 

QUANTAS vezes não parou para pensar no pouco tempo que tem para amar alguém, ao longo da sua vida? Apesar dela parecer longa, por vezes, tomamos consciência que transpusemos um ponto de não retorno e que já não podemos voltar atrás. Mas a tristeza maior chega quando nos apercebemos que deixamos passar a nossa oportunidade - como aconteceu a Ethan, Céline e Jessie, um homem, uma mulher e uma criança. Estas três personagens encontram-se à beira do abismo e no dia em que se conhecem vão amar-se e destruir-se ao mesmo tempo.

Mas, apesar de tudo, a questão fica no ar: será que estas três personagens também ultrapassaram o ponto de não retorno? Para responderem a esta pergunta e para saberem se ainda existe salvação possível, Ethan, Céline e Jessie têm 24 horas para mudar as suas vidas. Num livro sobre a vida e a morte - mas, sobretudo, sobre a capacidade por vezes tão limitada de viver e amar intensamente -, conseguirá o(a) leitor(a) descobrir a resposta à pergunta: será que o amor pode vencer a morte?

 

Texto de Débora Godinho

 

Guillaume Musso

Volto Para Te Levar, Bertrand Editora, 2009  

publicado por coquetteintelectual às 16:02

25
Jul 10

Ela escreve-me poesia. Descomplexada, livre, sensível e sentida. Louca e animal. Romântica e sexual. Fá-lo do outro lado do Atlântico e envia-me para a minha página do MySpace. Custa-me perceber como é que esta mulher de S. Paulo que tropeçou na minha página, nos meus poemas, crónicas e músicas, veio a desenvolver esta relação unilateral comigo. Ela diz que adora a voz e a escrita do homem por trás dela. Mas quando fala através da poesia, as palavras arrepiam caminho para a pele e o coração. Para além da fidelidade e felicidade que devo à minha companheira, o bom senso impede-me de responder a cartas ou poemas do género, alimentando algo que nunca poderá ser mais do que é neste momento: um flirt. Não um flirt normal, seguramente, mas um flirt. Fossem todos assim tão belos. Há algo de extremamente bonito e insuperável no desconhecido que é aquilo que não concretizamos. A mais bela estória de amor será sempre aquela que acabou antes de sequer ter começado, exactamente por dar espaço a uma idealização que nunca pertencerá ao campo do real. Se Romeu e Julieta tivessem casado normalmente e tido filhos, será que teriam sido felizes até ao fim das vidas? Não me parece, apesar de querer muito que sim. Vinicius de Moraes escreveu "que seja infinito enquanto dure" acerca do seu amor, e isso estará mais próximo da verdade do que qualquer conto de fadas. Longe de desencantada, a constantação da nossa fragilidade não é feliz ou o seu oposto. É apenas isso, a constatação de uma quase-inevitabilidade humana. Ela escreve-me poesia e declara-me guerra: "Vou comprar uma caravela, fazer a viagem inversal(...) prepara-te português". E descubro nas palavras um sorriso maior que aquele que uma cara possa espelhar. Espero que continue a enviar poemas, mesmo assim, não obtendo resposta. Eu vou continuar por cá, a lê-los no silêncio do amor que vivo ao lado da paixão que tenho. Sei que é infinito, espero honestamente que dure para todo o sempre.

 

Pac.

Suplemento Domingo, Correio Da Manhã, 9 De Agosto 2009 

publicado por coquetteintelectual às 22:44

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