Ao redigir e publicar em treze livros, a partir de 1677, cento e oitenta e seis sermões, o Padre António Vieira fixou no tempo os seus actos de orador. Este gesto do final da vida tornou-o um autor e valeu-lhe figurar na história da literatura portuguesa, nos cânones, nas antologias e manuais escolares. No entanto, o seu legado artístico não corresponde plenamente à identidade estética de Vieira: a de orador. Esse permanecerá para sempre irrecuperável, dada a efemeridade do acto de dizer. A voz, a figura, o movimento do corpo, a expressão, o público, a situação histórica, a iluminação, os sentimentos e tudo o mais difere, falta e faltará, sem hipótese de restauro. O conjunto destas parcelas é que conferia o seu modo de ser estético à pregação. Uma boa parte da estesia oratória de Vieira não se deixará assim apreender, mas apenas imaginar.
No que ficou dessas pregações - os sermões escritos - podemos no entanto captar uma parte do perfil estético de Vieira. É o caso da dimensão retórica desse mesmo perfil.
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Margarida Vieira Mendes
Revista Colóquio / Letras, Ensaio, Número 110/111, 1989