Coquette - de origem francesa "coquette" significa sedutora, na gíria portuguesa pode significar vaidosa ou graciosa. Intelectual - que pertence ao intelecto ou à inteligência, espiritual.

21
Mar 10

 

Deixo que venha

se aproxime ao de leve

pé ante pé até ao meu ouvido

 

Enquanto no peito o coração

estremece

e se apressa no sangue enfebrecido

 

Primeiro a floresta e em seguida

o bosque

mais bruma do que neve no tecido

 

Do poema que cresce e o papel absorve

verso a verso primeiro

em cada desabrigo

 

Toca então a torpeza e agacha-se

sagaz

um lobo faminto e recolhido

 

Ele trepa de manso e logo tão voraz

que da luz é a noz

e depois o ruído

 

Toma ágil o caminho

e em seguida o atalho

corre em alcateia ou fugindo sozinho

 

Na calada da noite desloca-se e traz

consigo o luar

com vestido de arminho

 

Sinto-o quando chega no arrepio

da pele, na vertigem selada

do pulso recolhido

 

À medida que escrevo

e o entorno no sonho

o dispo sem pressa e o deito comigo

 

Maria Teresa Horta

Poemas, Leya, 2009

publicado por coquetteintelectual às 22:59

05
Mar 10

 

Muitas vezes pensei como poderia ser interessante para uma revista um artigo escrito por um autor qualquer que tivesse - isto é, que pudesse - pormenorizar, passo a passo, os processos pelos quais qualquer das suas composições atingiu o seu ponto de completude último. Porque é que um tal ensaio nunca foi dado ao mundo, não o sei dizer - mas talvez a vaidade autoral tenha mais a ver com a omissão do que qualquer outra causa. A maioria dos escritores - poetas em especial - preferem dar a entender que compõem por uma espécie de loucura - uma intuição estáctica - e positivamente ficariam arrepiados se deixassem o público dar uma espreitadela por detrás do cenário, às elaboradas e vacilantes cruezas do pensamento - aos verdadeiros objectivos apanhados apenas no último momento - aos inúmeros vislumbres de uma ideia que não chegaram à maturidade da visão plena - às fantasias completamente amadurecidas postas de lado em desespero por serem ingovernáveis - às cautelosas selecções e rejeições - às dolorosas rasuras e interpolações - numa palavra, ás rodas e carretos - os utensílios para as mudanças de cena - os escadotes e alçapões - as penas de galo, a tinta vermelha e as manchas negras, as quais, em noventa por cento dos casos, constituem as propriedades do histrião literário.

Por outro lado, tenho consciência de que o caso não é de maneira nenhuma comum, em que o autor esteja de algum modo em condições de refazer os passos pelos quais as suas conclusões foram alcançadas. Em geral, tendo nascido desordenadamente, as sugestões são perseguidas e esquecidas de maneira similar.

Pela minha própria parte, não partilho a repugnância a que aludi, nem em qualquer momento terei dificuldade em recordar mentalmente os passos progressivos de algumas das minhas composições. E, dado que o interesse de alguma análise, ou de uma reconstrução, tal como considerei ser desejável, é bastante independente de qualquer interesse real ou fantasioso pela coisa analisada, não será considerado como uma quebra de decoro da minha parte mostrar o modus operandi pelo qual algumas das minhas obras foram compostas. (...)

 

Edgar Allan Poe

Poética (Textos Teóricos), Fundação Calouste Gulbenkian, 2004

publicado por coquetteintelectual às 18:52

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