Coquette - de origem francesa "coquette" significa sedutora, na gíria portuguesa pode significar vaidosa ou graciosa. Intelectual - que pertence ao intelecto ou à inteligência, espiritual.

16
Fev 10

 

 

Tenho uma teoria sobre o Carnaval. Para dizer a verdade tenho teorias sobre TUDO, mas não há espaço para TUDO, portanto falo do que é mesmo importante: o Carnaval. Acredito que quanto mais sofre um país, maior é o Carnaval. Tipo Brasil ou Caraíbas.

E é por isso que acho que nós somos um país cheio de manha, feliz a fingir que é infeliz: a prova é que os nossos carnavais nunca foram grande coisa. Salvo, admito, os de Ovar e Torres Vedras, mas aí fazem batota, põem as raparigas a tiritar de frio (deste lado do hemisfério é Inverno) para elas ficarem com os mamilos em alerta erótico. Somo como o rico avarento dos contos: fingimos ser infelizes com medo de que os outros (os reformados ingleses, os gelados finlandeses, essa gente europeia mesmo desgraçada) venham querer também um pedaço da nossa felicidade. O Carnaval é sempre foi o mundo de pernas para o ar: "A vida são dois dias, o Carnavl três, por isso diverte-te!" A vida durava um pouco mais, é certo, mas nestes três dias o pobre virava rico, o fraco virava poderoso, o escravo mascarava-se de senhor (e dançava senhor da rua), o senhor mascarava-se de escravo (no baile do palácio). Em Trás-os-Montes havia os caretos, e os rapazes endiabrados punham a aldeia a ferro e fogo, em "luta" contra os dois "inimigos" (os adultos casados, as danadas das raparigas). Até que, no baile, as pazes eram feitas e a harmonia restabelecida: com beijos, apalpões e música pimba.

Agora as aldeias estão vazias, vieram todos para a PSP ou embalaram para França. Ná, o Carnaval só é bom em países mesmo na mó de baixo. O do Haiti 2011 será decerto magnífico. Já pelo do Brasil tenho alguns receios, agora que o nosso irmão se está a revelar um gigante económico. Em compensação, nós...

O lado bom, galera, é que nunca é tarde para aprender a dançar.

 

Rui Zink

Metro, 1 de Fevereiro de 2010     

publicado por coquetteintelectual às 21:34

14
Fev 10

 

 

Em 1952, com apenas 27 anos, José Cardoso Pires publicou Histórias de Amor. Classificado como imoral, foi imediatamente apreendido pela Censura e nunca mais reeditado sob a sua forma inicial. O presente volume vem colmatar essa falha, reproduzindo os cortes da Censura sob a forma de um leve sombreado sobre o texto cortado, tornando assim possível o conhecimento do texto integral e, simultaneamente, das partes censuradas. Como anexos inclui a carta dirigida pelo autor á Comissão de Censura protestando contra a apreensão do seu livro, e três críticas publicadas na imprensa por Mário Dionísio, Luís de Sousa Rebelo e Óscar Lopes. Apesar de alguns dos contos incluídos neste livro terem sido posteriormente reescritos - e, em 1963, incluídos na primeira edição de Jogos de Azar, um deles, intitulado Romance com data - nunca mais foi publicado, mantendo-se, por isso, inédito. Cinquenta e seis anos passados sobre a sua publicação original e dez sobre a morte do grande escritor, esta edição faz perdurar a "história de amor" entre José Cardoso Pires e os seus leitores.

 

José Cardoso Pires

Histórias de Amor, Edições Nelson De Matos

Agenda Cultural Da Câmara Municipal De Lisboa, Número 215, Ano 2008  

publicado por coquetteintelectual às 23:05

09
Fev 10

 

 

As horas passam como gotas de chuva a escorrem na vidraça da janela.

Eu sentada a olhar para o vazio, que há muito que perdi a rua, os carros e tudo.

A noite apareceu de repente e eu não dei por isso. Só a luz amarela dos candeeiros da rua: um, dois, três, derramada sobre o sofá, a carpete e a escorrer pelo chão de madeira.

O silêncio comeu tudo. Este silêncio pesado que abraçou a minha vida como se do fantasma da morte se tratasse. Entrou devagarinho, sorrateiramente pela calada da noite e depois foi-se deixando estar, cada dia um pouco mais até ocupar toda a casa, até ocupar todo o meu corpo.

Não quero olhar para as fotografias que teimosamente ainda não consegui retirar da sala e me mostram outra que já não sou a rir, de braços abertos para a vida, coração leve e desbragado.

Não quero mexer-me. Sei que se esperar mais um pouco vou deixar também de respirar. Sem esforço. Sem que me doa sequer.

O telefone que não toca. A campainha da porta que não se ouve e a luz amarela dos candeeiros que parece brincar com os desenhos do tapete.

Havia um gato preto, gordo, que aparecia na minha minúscula varanda. Ainda lhe dei de comer, tentei afagá-lo mas eriçou o pêlo e esquivou-se. Um dia deixou de aparecer. Tenho a certeza de que o silêncio lhe pesou tanto quanto me pesava a mim no início, quando o meu corpo ainda teimava em mexer-se.

Agora, o verdadeiramente difícil é mover um só músculo. Verter uma última lágrima.

Se ficar aqui até ao fim, quem sentirá a minha falta?

Não tu, seguramente, não tu.

 

Luísa Castel-Branco

Destak, 9 de Fevereiro de 2010   

publicado por coquetteintelectual às 19:46

06
Fev 10

 

Publicada pela primeira vez em 1516 e largamente divulgada nos círculos cultos da Europa quinhentista, a Utopia de Thomas More, escrita originalmente em Latim e destinada a um público simultaneamente cosmopolita e erudito, que constituía o movimento progressista e renovador do seu tempo, o Humanismo, suportou a prova real pela operação do Tempo, e é hoje uma obra de projecção ímpar entre as grandes obras de todos os tempos.

(...)

Aliás, a palavra "utopia" e o adjectivo "utópico" entraram no léxico de quase todas as línguas cultas, sob formas mais ou menos facilmente reconhecíveis, constituindo um caso flagrante de uma palavra criada por um inglês que se tornou, como a obra do seu autor, verdadeiramente universal, utilizada, além do mais, não apenas por um sector de especialistas - embora tenha acepções específicas na história do pensamento político, social e económico - mas também quotidianamente por muitos que não têm necessariamente na ideia a origem da palavra, o seu criador ou o livro que a consagrou.

(...)

É claro que a Utopia é, até certo ponto, uma «obra aberta» - para empregar a expressão que Umberto Eco consagrou; mas convém não perder de vista alguns pressupostos, sem os quais a leitura pode facilmente induzir em erro. A Utopia é, entre outras coisas, um diálogo e directamente influenciado por duas obras de Platão, pelo menos.

(...)

 

Fernando Mello De Moser

Dilecta Britannia Estudos De Cultura Inglesa, Fundação Calouste Gulbenkian, 2004 

publicado por coquetteintelectual às 22:43

01
Fev 10

 

Façam o que fizerem quando se encontram - joguem, lutem, amem ou fabriquem automóveis - as pessoas também falam. Falamos com os nossos amigos, colegas, mulheres e maridos, amantes, professores, pais e sogros. Falamos com condutores de autocarros e pessoas totalmente desconhecidas. Falamos frente a frente e pelo telefone. E toda a gente responde falando. A televisão e a rádio intensificam esta torrente de palavras. Assim, raro é o momento das nossas vidas em que, acordados, estamos longe das palavras e mesmo nos nossos sonhos falamos e falam connosco. Até falamos sem termos quem nos responda. Alguns falam alto enquanto dormem. Falamos com animais e às vezes falamos mesmo para nós próprios. Somos os únicos animais que fazemos isto - falar. 

A posse da linguagem, mais do que qualquer outro atributo, distingue os seres humanos dos animais. Para compreendermos a nossa humanidade teremos de compreender a linguagem que nos torna humanos. De acordo com a filosofia expressa nos mitos e religiões de muitos povos, é a linguagem que constitui a fonte da vida humana e do poder. Para alguns africanos, um recém-nascido é um kuntu, uma "coisa", não sendo ainda um muntu, uma "pessoa". É apenas ao aprender a linguagem que a criança se transforma num ser humano.* Assim, de acordo com esta tradição, todos nós nos tornamos "humanos" pois todos nós conhecemos pelo menos uma língua.

 

* Diabate, Massa-Makan. "Oral Tradition and Mali Literature", in The Republic Of Mali 

 

Introdução À Linguagem Humana, Livraria Almedina  

publicado por coquetteintelectual às 21:52

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