"As pessoas perguntam-me «como é que foste lá parar?». O que elas querem mesmo saber é se também correm o risco de lá ir parar. Não sei responder à verdadeira pergunta. Tudo o que lhes posso dizer é que é fácil.
É fácil entrar num universo paralelo. Há tantos: os mundos dos loucos, dos criminosos, dos deficientes, dos moribundos, talvez o dos mortos também. São mundos que coabitam com o mundo e se lhe assemelham, mas que não estão nele.
(...) Estava no cinema, a ver um filme, quando uma onda de escuridão se abateu sobre a sua cabeça. O mundo apagou-se durante uns segundos. Percebeu que tinha enlouquecido. Olhou à sua volta para ver se tinha acontecido o mesmo a toda gente que estava no cinema, mas toda a gente que estava no cinema, mas todas as outras pessoas estavam absortas a ver o filme. Correu para a rua, porque a escuridão do cinema, combinada pela escuridão que ia dentro da sua cabeça, era demasiado.
- E depois? - perguntei-lhe.
- Uma imensa escuridão - disse ela.
Mas a maioria das pessoas entra progressivamente, fazendo uma série de perfurações na membrana entre o cá e o lá até surgir uma abertura. E quem consegue é que consegue resistir a uma abertura?
No universo paralelo as leis da física ficam suspensas. O que sobe não tem que necessariamente descer; um corpo em descanso não tende a permanecer em descanso; nem todas as acções provocam inevitavelmente uma reacção semelhante de sentido oposto. O tempo também é diferente. Pode correr em círculos, recuar, saltar do agora para o antes. Até a organização das moléculas é fluída: as mesas podem ser relógios, as faces, flores.
Mas estes factos só se descobrem depois.
Outra singularidade do universo paralelo é que é invisível deste lado, mas quem lá está dentro vê facilmente o mundo donde veio. Às vezes, esse mundo parece enorme e ameaçador, tremebundo como um monte de gelatina; outras vezes, parece um mundo em miniatura, fascinante, a girar numa órbita cintilante. Um mundo que não pode ser ignorado. Nunca."
Susanna Kaysen
Vida Interrompida, Gradiva, 2001